É impressionante quando olhamos para os olhos de uma pessoa e imaginamos o que se passa por de trás daquilo tudo. Como erroneamente muitas vezes pensamos, premeditamos, julgamos e ainda acreditamos em tudo aquilo que inventamos. Enfim, não foi por revolta que me prestei a escrever tal prosa, e sim por um pouco mais de romance.
Gosto muito de falar de mim, aliás, não é uma questão de gostar; sou um péssimo autor da vida alheia, me reservo as minhas próprias peripécias. Mas me incluindo em um grupo, e sendo este grupo, todo eu, resolvi falar de pessoas-eu, pessoas-célula.
Célula porque envolve mais de um e só funciona quando trabalham juntas. Eu, bem, eu porque sou o dependente disso tudo. Pessoas porque são pessoas mesmo.
É entre cordas, notas, copos e fumaça que se fez tal gente. É de tempo e viver, de rir e chorar, de lamentar (pouquíssimas vezes) e animar-se, é de mim e deles. Do morar, do orar, do lar e do ar. Da maresia e da terra vermelha. E foi de tanto buscar porquê que me vi no “porque”. Somos o que somos, e vamos tão bem. Funcionamos porque queremos, e só por isso. A nossa fé está em nós mesmos. Entre muita prece e ceticismo que criamos nossa própria crença e nosso deus. Que por diversas vezes já tentamos deixá-lo pra depois e que por diversas mais um, ele nos agarrou à beira do penhasco e nos trouxe de volta. É até triste quando ele perdoa tudo, um atraso, um esquecimento, um desleixo... Isso não é alvará pra irresponsabilidade mas é o remédio pra qualquer eventual deslize.
Era num quartinho abafado, noutro menor e mais quente, e depois num grande e quente, o do Pardal, em casa mesmo, lá na ilha, e agora em um muito bem organizado e quente. E é de tanto suar que podemos dizer que, de fato, transpiramos nosso deus, que está na nossa pele. Não fosse tamanha vontade jamais teríamos chegado onde chegamos, e falando assim, parece que estamos no topo do sucesso, e bem, por quê não dizer que estamos? Ao nosso tempo, estamos mesmo. Afinal o que seria o sucesso, se não deitar à noite, consciência tranqüila, sorriso de leve e a certeza de que estamos fazendo o que escolhemos fazer por amor, por amar.
Tinha preparado algo muito mais bonito, muito mais profundo e que tocaria na alma dos leitores-peças deste grupo, mas o trabalho tem me tomado tempo, e é entre as pausas que os números me dão, que posso escrever, e assim vai embora a intuição... Mas seria perder mais tempo esperá-la voltar, e com ela as palavras bonitas. Preferi o “qualquer jeito” pra dizer o que tem sido esses últimos tempos. E é sonhando e trabalhando que espero ter todo tempo do mundo pra isso, pra nós. E com a certeza que já está “acontecendo”, acordo todo dia de manhã só pra ver o dia, pra esperar a noite do dia 10, ou aquela do dia 21 no tal bar da elevação de relevo que não vai até Maomé. Espero por todas essas noites como se fosse a primeira, o subir no palco mais emocionante, o medo, a adrenalina, a droga correndo pelo meu sangue, e suando mais uma vez sentir meu deus; espero como se fosse estar na primeira boate – lembra? – e como o último Rock’in Rio que vimos pela televisão – imaginam? – a mesma vontade!
A cima de toda e qualquer idéia de negócio e lucro, está esse bambear das pernas, esse frio na barriga, esse “pula-pula de perna”, esse “ascende um (dezoito) cigarro(s)”, esse “enche meu copo”, esse “junta todo mundo aqui, e vamos fazer por nós mesmos...” A cima de qualquer vontade de ter, está esse riso, esse tremer das pálpebras, esse tocar “sem fazer o mais difícil”, essas dancinhas escrotas.
A cima de tudo isso, só vejo nós mesmos; um suado caldo da laranja, regado a azeite e ervas, em um copo bem cheio, donde há de vir tudo aquilo que somos e que ainda vamos ser.