quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O nome de deus

     É impressionante quando olhamos para os olhos de uma pessoa e imaginamos o que se passa por de trás daquilo tudo. Como erroneamente muitas vezes pensamos, premeditamos, julgamos e ainda acreditamos em tudo aquilo que inventamos. Enfim, não foi por revolta que me prestei a escrever tal prosa, e sim por um pouco mais de romance.

     Gosto muito de falar de mim, aliás, não é uma questão de gostar; sou um péssimo autor da vida alheia, me reservo as minhas próprias peripécias. Mas me incluindo em um grupo, e sendo este grupo, todo eu, resolvi falar de pessoas-eu, pessoas-célula.
     Célula porque envolve mais de um e só funciona quando trabalham juntas. Eu, bem, eu porque sou o dependente disso tudo. Pessoas porque são pessoas mesmo.

     É entre cordas, notas, copos e fumaça que se fez tal gente. É de tempo e viver, de rir e chorar, de lamentar (pouquíssimas vezes) e animar-se, é de mim e deles. Do morar, do orar, do lar e do ar. Da maresia e da terra vermelha. E foi de tanto buscar porquê que me vi no “porque”. Somos o que somos, e vamos tão bem. Funcionamos porque queremos, e só por isso. A nossa fé está em nós mesmos. Entre muita prece e ceticismo que criamos nossa própria crença e nosso deus. Que por diversas vezes já tentamos deixá-lo pra depois e que por diversas mais um, ele nos agarrou à beira do penhasco e nos trouxe de volta. É até triste quando ele perdoa tudo, um atraso, um esquecimento, um desleixo... Isso não é alvará pra irresponsabilidade mas é o remédio pra qualquer eventual deslize.

     Era num quartinho abafado, noutro menor e mais quente, e depois num grande e quente, o do Pardal, em casa mesmo, lá na ilha, e agora em um muito bem organizado e quente. E é de tanto suar que podemos dizer que, de fato, transpiramos nosso deus, que está na nossa pele. Não fosse tamanha vontade jamais teríamos chegado onde chegamos, e falando assim, parece que estamos no topo do sucesso, e bem, por quê não dizer que estamos? Ao nosso tempo, estamos mesmo. Afinal o que seria o sucesso, se não deitar à noite, consciência tranqüila, sorriso de leve e a certeza de que estamos fazendo o que escolhemos fazer por amor, por amar.

     Tinha preparado algo muito mais bonito, muito mais profundo e que tocaria na alma dos leitores-peças deste grupo, mas o trabalho tem me tomado tempo, e é entre as pausas que os números me dão, que posso escrever, e assim vai embora a intuição... Mas seria perder mais tempo esperá-la voltar, e com ela as palavras bonitas. Preferi o “qualquer jeito” pra dizer o que tem sido esses últimos tempos. E é sonhando e trabalhando que espero ter todo tempo do mundo pra isso, pra nós. E com a certeza que já está “acontecendo”, acordo todo dia de manhã só pra ver o dia, pra esperar a noite do dia 10, ou aquela do dia 21 no tal bar da elevação de relevo que não vai até Maomé. Espero por todas essas noites como se fosse a primeira, o subir no palco mais emocionante, o medo, a adrenalina, a droga correndo pelo meu sangue, e suando mais uma vez sentir meu deus; espero como se fosse estar na primeira boate – lembra? – e como o último Rock’in Rio que vimos pela televisão – imaginam? – a mesma vontade!
     A cima de toda e qualquer idéia de negócio e lucro, está esse bambear das pernas, esse frio na barriga, esse “pula-pula de perna”, esse “ascende um (dezoito) cigarro(s)”, esse “enche meu copo”, esse “junta todo mundo aqui, e vamos fazer por nós mesmos...” A cima de qualquer vontade de ter, está esse riso, esse tremer das pálpebras, esse tocar “sem fazer o mais difícil”, essas dancinhas escrotas.
     A cima de tudo isso, só vejo nós mesmos; um suado caldo da laranja, regado a azeite e ervas, em um copo bem cheio, donde há de vir tudo aquilo que somos e que ainda vamos ser.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Ore

- Senhor, muito obrigado pelo dom da vida...
- Por quê dom? Nós estamos vivos! Nascemos e pronto.
- Senhor, muito obrigado pela vida!
- Por quê Senhor? Você está falando com quem?
- Senhor, eu sei que Você não existe, mas eu não quero aceitar que seja assim, porque eu não me sinto sozinho. Sei que Você não existe dessa maneira que os homens falam dentro das igrejas, sei que Você não existe da maneira que foi descrito na Bíblia ou em qualquer outro livro de ficção e fixação, mas eu preciso orar. Sei que Você não ama todos nós, porque só o homem é capaz de amar, e sei que você não puni os desonestos porque a cada dia mais pessoas sofrem para que outras tenham previlégios, mas ainda assim eu preciso orar, eu tenho que orar. Senhor, me proteja, me guie, me dê uma luz.
- O que eu estou fazendo, exatamente?
- Senhor, obrigado pelo dia de hoje. Pelo meu pai, minha mãe, e minha irmã.
- Mas seu pai falou coisas que te magoaram hoje...
- Obrigado pelo meu pai.
- Sua irmã parece querer te ver mal, ela tenta agir de acordo com seus atos e não por ela própria...
- Obrigado pela minha irmã.
- Mas...
- As pessoas são diferentes, e precisamos aceitar essas diferenças pra podermos viver num ambiente de paz...
- Eu sei, mas...
- Eu não sou certo, não sei a verdade do mundo. Nada garante que o meu jeito de ver a vida faria do mundo um lugar melhor.
- Eu sei que não estou certo, mas...
- Eu não sou o certo.
- Mas eu só...
- Eu não sou o certo. Eu não sou o certo. Eu não sou o certo.
- Eu não sou o certo.
- Não é hora pra discutir o porquê da oração, ou pra quem estamos orando. Apenas ore.
- Eu só queria saber...
- Não é hora de saber nada. Sinta-se em paz. Peça e agradeça, e nada mais.
- Mas pra quem se eu nem...?
- Não importa. Chame como quiser...
- Tudo bem.
- Então oramos juntos?
- Posso tentar?
- Senhor...

Depois disso, eu fiz a oração mais longa de toda minha vida, e acredite, valeu muito a pena. Eu tenho meu Deus, estou descobrindo-o, estou me descobrindo. E você, ja orou hoje? Já conversou com o seu Deus? Chame-o como quiser, acredite, ele não se importa, até porque Ele nem existe, mas você existe, e pode fazê-lo existir também. Teste deixar toda sua filosofia de lado um pouco e apenas ore.
Você é o que você quer ser. Acredite.
E se eu pudesse deixar uma dica para todo o mundo, ela seria: Ame! Tudo que quiser amar! Mesmo que seja odiando! Mesmo que seja chorando! O amor é a chance de fazer tudo ser melhor! Pelo menos tente! Ame! Amém!

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Lua

Lua que chega sem avisar
Vem nova em tempos de lua cheia
nova lua, tempo de luar
Toda nua feito espada de Jobim

Lua nova, noiva do céu azul
Toda branca como a neve do sul
Vem em nove novos mil raios de sol
Alva lua, feito uma luz de neon

Vem cá me dá um pedaço de céu
Sei lá, eu quero um beijo de mel
Lua cheia de ingratidão
Lua minguante na escuridão

Seu riso, tão cansado de sorrir
Sorriso esforçado pra sair
Lua que mesmo nova gerou no seu ventre
Outra lua crescente

Um verdadeiro astro-rei

Lua branca como um farol em alto-mar
Rosa dos ventos pronta pra me guiar
Rosa branca tão perdida no luar
Fica em paz, vem cá, me dá tua mão

Lua cansada de iluminar
Com marcas d'água em seu olhar
Dorme já cedo e finge descansar
Que amanhã você tem que estar no céu

Vem cá me dá um pedaço de céu
Sei lá, eu quero um beijo de mel
Lua tão cheia de ingratidão
Lua minguando na escuridão

Seu riso, tão cansado de sorrir
Sorriso esforçado pra sair
Lua que mesmo nova gerou no seu ventre
Outra lua crescente

Um verdadeiro astro-rei
Que brinca de iluminar
Que chora e que faz sorrir
Que só quer brincar de brincar
Que cansou e agora quer dormir
Pra lua poder descansar

quarta-feira, 23 de março de 2011

Há tanto em mim

Há, somente, poucos dias estou tentando ser alguém mais clássico, mais tradicional, como um alguém que tem seu tempo de trabalho e seu tempo de lazer, sua disciplina e sua bagunça, suas vontades e suas preocupações, seus sonhos e seus pesadelos, virtudes e medos.

Há pouco tempo venho tentando ser um pouco mais normal.
Me irritei com os bares diários e com a calmaria matinal; me cansei da loucura no que tem-se chamado fim de semana, já que pra mim, durante muito tempo não houve essa separação entre: começo, meio e fim.
Me cansei de tanto ignorar, de tanto deixar estar, de tanto faz, tanto fez. Eu estou cansado. A vida não é dura, mas tem sido um vazio imenso.

Há pouquíssimo tempo me peguei chorando por dentro, acabado, cansado e discreto, afinal assim tem sido os dias de felicidade intensa e também os de mais profunda tristeza. Discretos. Perdi-me na intensidade de cada coisa, na grandeza dos meus sentimentos, na indiferença dos meus pensamentos; perdi-me na minha própria filosofia; o mundo que me ensinou não haver errado nem certo é, hoje, quem cobra atitudes corretas, acertos e ponderações.

Há muito que não sentia vontade de companhia, e que a política, a realidade, a polícia, a cultura e o esporte não passavam de simples temas de noticiário.

Há um bom tempo que sucesso profissional pessoal, amor e família não eram minhas principais preocupações. Como se tudo tentasse fazer sentido, como se o passado estivesse aqui, agora, e me lembrasse o tempo todo que o futuro precisa acontecer, e precisa ser melhor; pra mim.

Há muito pra se fazer.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Até o fim - Chico Buarque

Quando eu nasci veio um anjo safado 
O chato "dum" querubim 
E decretou que eu estava predestinado 
A ser errado assim 
Já de saída a minha estrada entortou 
Mas vou até o fim 

"Inda" garoto deixei de ir à escola 
caçaram meu boletim 
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola 
Nem posso ouvir clarim 
Um bom futuro é o que jamais me esperou 
Mas vou até o fim 

Eu bem que tenho ensaiado um progresso 
Virei cantor de festim 
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso 
Em Quixeramobim 
Não sei como o maracatu começou 
Mas vou até o fim 

Por conta de umas questões paralelas 
Quebraram meu bandolim 
Não querem mais ouvir as minhas mazelas 
E a minha voz chinfrim 
Criei barriga, a minha mula empacou 
Mas vou até o fim 

Não tem cigarro acabou minha renda 
Deu praga no meu capim 
Minha mulher fugiu com o dono da venda 
O que será de mim ? 
Eu já nem lembro "pronde" mesmo que vou 
Mas vou até o fim 

Como já disse é um anjo safado 
O chato "dum" Querubim 
Que decretou que eu estava predestinado 
A ser todo ruim 
Já de saída a minha estrada entortou 
Mas vou até o fim

quarta-feira, 9 de março de 2011

indiferença

Preciso de alguém pra me impor limites. Me sinto a pessoa mais errada do mundo, com esse meu jeito de não conseguir enxergar um certo e errado pras coisas.
Admito que errei. Queria voltar no tempo pra desfazer coisas que me arrependo ter feito. Admito, também, que disse que jamais me arrependeria dos meus atos, e que disse que não iria necessariamente seguir com um plano de vida, com o qual a maioria segue por hábito, comodismo ou exemplo de disciplina.
Nunca quis ter alguém ao meu lado. Sempre achei isso um atraso.
Nunca me conformei com o mundo, e isso é o que tem me matado um pouquinho por dia.
Eu não sei o que passa aqui dentro, eu não sei como existem tais pessoas, eu não sei nada e daria a vida pra concertar tudo que acho injusto.
Não consigo aceitar que pessoas me digam o que é certo, quando milhares dessas mesmas pessoas, estão morrendo de fome, de frio, de medo, de sonhos, de alma.
Posso ver a lógica em mudar aos pouquinhos, posso ver o progresso disso também, mas não consigo nunca ver ou imaginar o objetivo alcançado, e isso me corrói, me adoece, como se eu mantivesse dentro de mim um mal, que cresce com cada injustiça que descubro, cada fé que se acaba, cada mente que conheço.
Não consigo mais. Me sinto mal. Me sinto mau. Queria por fim nisso tudo. Só não me acho covarde o suficiente pra um ato de tamanha coragem.
Preciso de alguém pra me impor limites.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Inspiração Drummondiana

Oct. 10th, 2008 at 8:53 PM em http://valcilaum.livejournal.com/5637.html

Não é uma mulher
Não pode ser
Deixou de ser cirança para ser menina
Deixou de ser menina para ser o quê?
Mulher? Não é
Não pode ser
Tenta ser
Quer ser senhora, quer ser doutora, quer ser melhor, quer ser mulher
Mas não é uma mulher
Não pode ser.

Nos olhamos sempre
Nas situações mais incabíveis
Não comentamos
Nos olhamos
Como superintendidos, como gente grande
Eu, como menino; ela, como mulher
Mas não é uma mulher
Não pode ser.

Tem corpo de mulher
Quer ser mulher
Tem a alma de menina, que deixou de ser
Tem o espírito de criança, que deixou de ser, para ser mulher
Mas não é uma mulher
Não pode ser.

Usa perfume, vai à reuniões, quer ser sabida
Pisca bem devagarinho quando quer ter razão
Não admite o erro, como os adultos o fazem
Quer fingir ser criança, quer brincar de brincar
Quer mais responsabilidades, quer não ser menina
Fala tudo muito afirmadamente, e propõe negação
Quer ser mulher, e ao vê-la todos sabem
Quer tanto que acaba sendo mulher feito criança.

Quer ser mulher
Mas não é
Porque ama o papai
Porque ama a mamãe
Porque come brigadeiro de colher, com as pernas cruzadas no sofá, assistindo televisão.